A escola é um ambiente social.
Agrega pessoas das mais variadas culturas familiares, que possuem seus valores e princípios. Um espaço de diversidade e convivência tolerante. Certo?
Penso eu que deveria ser, mas não é o que observo na prática, pelo menos não em todo lugar.
Num mundo cada vez mais povoado de discursos politicamente corretos, de defesas éticas e de discussões de assédios, as coisas estão distorcidas. Aquilo que deveria passar como diversidade, como diferentes formas de crianças e jovens aprenderem a "ser", vivendo relacionamentos ora tranquilos, ora conflituosos, treinando a convivência e sendo moderados pela intervenção dos adultos quando necessário virou caso de vara da infância.
Numa escola paulistana, o ano de 2011 terminou com um conflito entre dois alunos de fundamental II, colegas de sala de aula, melhores amigos num semestre e repentinamente distantes no semestre seguinte.
Um aluno especial de 12 anos, portador de Síndrome de Asperger, um grau de autismo muito leve, ficou inconformado com o afastamento do amigo, que passou a rejeitá-lo nas conversas, na companhia e nos trabalhos. Movido pela frustração com a rejeição, passou a atacar o amigo pela rede social na internet, falando impropérios, tecendo ameaças adolescentes ao outro e despejando em palavras agressivas sua dor da rejeição.
Vale expor, que para os Asperger compreender como são as emoções, as relações sociais e a forma dos outros sentirem é o maior desafio. Eles tem limitações cerebrais que os impedem de entender simbologias, metáforas, expressões faciais e muito do código de relacionamentos que usamos tranquilamente por sermos padrão neurotípico. Eles são perspicazes com palavras, tem um cognitivo eficiente e podem parecer muito eruditos numa discussão, mas a maior parte do que dizem desconhecem o significado e a consequência de suas ações.
Aquilo que deveria ser uma briga de amigos em crise, virou caso de justiça. O menino ofendido e sua família, trataram a questão como uma infração social grave. Por mais que a escola e as famílias envolvidas tentassem conversar e esclarecer a questão, inclusive obtendo a retratação do agressor, não foi possível terminar a questão amigavelmente.
Nesta semana, a mãe do menino asperger, recebeu uma intimação da Vara da Infância e Juventude para apresentar seu filho em audiência, por acusação de infração.
Não sei como acabará isso, mas sei que nunca deveria ter começado.
Onde vamos parar?
Brigas de crianças e jovens colegas de escola, vão tornar-se caso de polícia?
No meu tempo, frustrações geravam bate bocas, xingamentos até que cabeludos, uns tapas de vez em quando, puxões de cabelo e uma ida à diretoria prestar contas das ocorrências. Existiam advertências, suspensões e reuniões de pais para esclarecer as coisas.
Cada família pegava seu indivíduo "esquentado", pregava um bom discurso ético, exigia retratação e mudança de postura e dava a consequência no tamanho do problema. Pouco tempo depois, a amizade se reatava, as pessoas esqueciam o ocorrido e um aprendizado de convivência ficava registrado. A escola fazia sua parte, monitorando as relações e intervindo se necessário, os meninos aprendiam os limites uns dos outros, as regras sociais, os códigos de conduta e todos cresciam, amadureciam e tornavam-se adultos capazes de lidar com as dificuldades da vida.
Hoje, uma briga de jovens recém saídos da infância recebe o tratamento de uma agressão à mão armada.
O que pais que tomam tal atitude, esperam que o filho aprenda com isso?
O que será que pensam estar conseguindo??
Eu não sei a resposta, mas tenho certeza que alguma coisa se perdeu aí e vai fazer muita falta na vida deste pequeno ser em construção.
Tolerância à diversidade, parece ser apenas um discurso tênue que paira longe da realidade, longe deste novo senso comum que se forma sinistramente na calada das consciências.
Bons Ventos!
Parabéns pelo texto. Márcio realmente não sei e tenho medo de como será a conduta dessas crianças quando adultos.
ResponderExcluirNormalmente essas condutas extremas revestidas de "ofensas irreparáveis" são a maquiagem para a indústria do dano moral! Um instituto legal que se transformou em caça níqueis de advogados e partes envolvidas. Infelizmente!
ResponderExcluirNossa, Márcia, que triste essa história. Como mãe e 'observadora do mundo', cada vez mais tenho mais certeza de que o maior legado que posso deixar pra minha filha é o exercício da tolerância. Sem ela, realmente, acredito que será impossível viver nessa sociedade contemporânea - e, às vezes, tão irracional.
ResponderExcluir