Não é tão simples assim

Há dias em que nos sentimos impotentes diante do sistema público em função. Como peixes num aquário gigante, sem conseguir interferir na ordem das coisas e sem sermos ouvidos em nossas necessidades e desejos.
Ontem, o grupo do Fórum de Educação foi acompanhar uma audiência pública na Câmara dos Deputados da Cidade de São Paulo, na qual a Comissão de Administração, supostamente ouviria o povo sobre o Plano Municipal de Educação. Horas de falatório daquilo que eles já tem pronto, nada de espaço para opiniões que possam mudar algum rumo no assunto. Gestão participativa "para inglês ver", porque na prática não cabe a ninguém participar de fato.
No Senado Federal, você sabe como é a participação do povo?  Pode entrar e ouvir sem poder comentar. A isso chamam participação.
É tão ditatorial o discurso neste país que só mesmo com muito amor para seguir em frente.
outro dia me mandaram uma frase no FB que traduz meus sentimentos de hoje. Atribuída a Aldous Huxley, fala que a ditadura perfeita teria ares de democracia, como uma prisão sem muros de onde ninguém nem sonharia em sair, um sistema de escravidão onde graças ao consumo e a diversão, os escravos teriam amor à escravidão. assustadoramente realista, aqui da minha janelinha.
Não é tão simples assim, sair deste gênero de amarras e mudar o quadro educacional do Brasil.  Única certeza que eu ainda tenho é que não podemos desistir nunca deste objetivo.
Quem de fato analisa e mergulha na questão e seus aspectos filosóficos, percebe que as crianças estão  em desvantagem grande. Sem escuta, sem um olhar para suas necessidades e seu potencial, apenas levadas em frente através de meios questionáveis na educação pública, com alguns oásis de boa qualidade.
E lá vem a política colocar mais mães crecheiras como solução para sua incompetência educacional. Pessoas sem conhecimento, sem preparo que enchem uma casa de crianças, como quem enche um depósito de caixas e as "aguenta" dia afora, mantendo vivas e com alguma comida na barriga. Não raro, sob gritos, empurrões, ameaças e pressão psicológica. A mulher pobre que trabalha, confia neste serviço que muitas vezes é o único que tem por perto. A criança cresce num ambiente péssimo para sua formação, apanhando de outra maior, ouvindo impropérios e sentindo um tipo de abandono cruel, o abandono falsamente assistido.
E assim, arrastando um legado de coisas mal resolvidas a educação tenta existir, falida, perdida e sem identidade.
As escolas particulares cobrando e lucrando fortunas para oferecer para as classes mais favorecidas, um modelo mais decente de serviço educacional. Aliás é bem complicada esta discussão de serviço, obrigação pública, sacerdócio educativo...algo a mais que se põe sob o tapete e lá na frente acabará por cair no colo de alguma geração, que terá que resolver.
E tem tanto mais para comentar, mas por hoje chega,  preciso carregar as baterias para trazer coisas mais bonitas de se ver. Estas são muito feias, embora importantes de discutir.
Bons Ventos!
Marcia

A cobrança de autonomia e auto suficiência, um desafio para a família

Que mãe nunca escutou essa ladainha?
Tem que colocar no berço, para ter autonomia!
Tem que deixar chorar senão ele nunca terá autonomia!
Tem que deixar comer se sujando para ter autonomia!
Ele já tem 5 anos, tem que ter autonomia de se limpar sozinho!
Tem que ter autonomia de dormir fora sem os pais!
Tem que fazer a lição de casa com autonomia!
E por aí segue.
Mas como é que constrói o caminho da criança até essa tal autonomia? Será que todos sabemos o que é autonomia e quando pode ser exigida?
Consideremos o conceito de autonomia:
" Etimologicamente autonomia significa o poder de dar a si a própria lei, autós (por si mesmo) e nomos (lei). Não se entende este poder como algo absoluto e ilimitado, também não se entende como sinônimo de auto-suficiência. Indica uma esfera particular cuja existência é garantida dentro dos próprios limites que a distinguem do poder dos outros e do poder em geral, mas apesar de ser distinta, não é incompatível com as outras leis." (fonte:http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/capitulo1.html) 

Toma-se a palavra Autonomia, por auto suficiência, por condição de dar conta de si mesmo.
Autonomia tem muito mais a ver com a capacidade de auto regulação diante de uma questão, do que de suficiência. Invoca nossa responsabilidade de ação diante de uma decisão, invoca nosso poder de discernir entre as diversas possibilidades e escolher a adequada, ou seja de determinar nossa lei e de realizá-la.
Uma capacidade, sem dúvida que demora um número de anos para se alcançar.
Então o que desejamos tanto dos bebês e das crianças pequenas? Desejamos que tenham auto suficiência em algumas competências e que gradualmente desenvolvam sua capacidade de autonomia, para que na entrada da adolescência sejam capazes de determinar o que é adequado ou não para si e para sua ação no mundo, em algumas coisas básicas.
Ser auto suficiente, no entando, implica em uma trajetória não apenas de treinamento, mas de ganho de segurança, confiança e estima.
No colo da mãe, no peito, no afago, na mão dada, no carinho das palavras, na receptividade do olhar, o pequeno ser humano faz alicerce para sentir-se capaz de dar conta de si nas coisas básicas da vida. Higiene, trocar-se de roupa, solicitar alimento, montar brinquedos e brincadeiras, aprender a escrever, ler, ter habilidades motoras e orais.
Nada mais difícil, do que superar dor, medo, angústia de separação, sensação de abandono e ainda ter que adquirir novas habilidades para agradar os adultos.
Temos que rever nossos conceitos sobre o tema, melhorar nossos conhecimentos e mais que tudo, rever as expectativas que trazemos de avô para pai e pai para filho sem avaliação, contextualização e verificação de pertinência.
Evolução não é arrastar as tradições do passado para frente sem sequer pensar sobre elas. Evolução é inovar sobre elas.
Bons ventos!
Márcia

Sobre a Lei que obriga a matrícula de crianças na Educação Infantil aos 4 anos. Assunto de todo mundo!

Quando se sanciona alterações numa Lei que atinge em cheio a criança pequena, estamos intervindo seriamente em todo o futuro de um país, aceitemos ou não!

Dia 05 de abril de 2013, nossa atual presidenta, Dilma Roussef sancionou as alterações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, gerando a obrigatoriedade de matrícula em escolas de Educação Infantil, para crianças a partir de 4 anos de idade, em todo o território nacional.
Mas o que isso quer dizer de fato?
Comecemos deixando claro que é uma Lei para obrigar a família a oferecer esta educação formal desde tenra idade, porque o Estado já é obrigado a fazê-lo desde a Constituição de 1988. 
Mas como eu não soube disso?
Vejam, a Sociedade Civil, teve duas oportunidades bem claras de discutir tal Lei,  antes desta ser sancionada. Uma durante a votação na Câmara dos Deputados e outra quando foi votada no Senado Federal. Os movimentos sociais buscaram este debate na sociedade civil, preocupados com as implicações que ela traz, preocupados com o que acontece com a vida desta criança quando sofre uma alteração desta monta. Porém, nós cidadãos, nos mostramos pacatos. Se não batem em nossa porta para avisar que há uma Lei sendo alterada e que nos é da conta, não nos interessamos. Assim, só tomamos conhecimento de coisas que mudam bruscamente (nem sempre para a qualidade melhor) nossa vida e a dos nossos entes, quando caem no nosso colo depois de votadas, sancionadas.
Essa falha de nossa atuação como cidadãos e pais e mães, tem sido amplamente aproveitada por todo poder público, uma vez que poucos são os que lutam por direitos em nosso país e muitos os que reclamam de não os terem. Mora aí, uma oportunidade fresquinha de mudarmos da posição passiva para a ativa e buscarmos avidamente meios de saber o que nos acontecerá neste país, antes de acontecer.
Participando de Fóruns e Conselhos de Educação, estando ligados ao que se publica no Diário Oficial, acompanhando o movimento social em volta, podemos estar na hora certa e no lugar certo.
Uma coisa que me deixa muito aflita nisso tudo, é que qualidade e ampliação de rede educacional acessível a todos, não vem de braços dados com obrigatoriedades legais. E o que temos assistido no cenário educacional brasileiro é justamente a ausência de qualidade se alastrando.
A Lei traz a alteração, mas não explica em nenhum momento quais serão as estratégias de sua aplicação, quais seriam as sanções para as famílias, no caso de ausência das crianças na instituição de ensino e mais que tudo, rompe friamente com a concepção de Educação Infantil muito bem expressa na Constituição Brasileira: direito da criança e opção da família!
E agora, José?
Não acaba aqui, o problema. Os educadores da cidade de São Paulo, por exemplo, mostram uma legítima preocupação com as rupturas entre a Educação de 0 a 3 anos e de 4 a 5 anos, quando deveríamos ter de fato, uma Educação Infantil pensada em segmento único de 0 a 5 anos. Porque isso? Porque você oferece uma desmantelagem no processo de trabalho com esta criança, fragiliza o sistema e tende a ter uma assistência e cuidado vazios no começo e uma antecipação do fundamental na segunda parte do trabalho.
Mesmo que o leitor e a leitora não tenha interesse em ingressar seus filhos em escolas em tenra idade, temos muitos outros que mais do que interesse, tem necessidade de fazer este movimento.
É deficiente demais no país o atendimento de crianças de 0 a 3 anos, as famílias precisam recorrer a instituições particulares, ou a "cuidadoras" nem sempre qualificadas para isso, já que o trabalho é assunto de sobrevivência e não há política pública no país, para mães trabalhadoras poderem ficar com seus filhos mais tempo durante o começo de suas vidas. Com esta alteração de Lei, corremos o risco de ampliar ainda mais esta deficiência e a falta de qualidade deste atendimento.
Como citei a pouco, a visão de educação no país está pautada pela educação fundamental e não Infantil, sendo arriscada essa antecipação de faixa etária, porque, assim como estamos assistindo acontecer com o primeiro ano, aos 6 anos, teremos cada vez mais a inserção de modelo educativo de fundamental no Infantil, quando deveria ser o oposto disso.  Na prática, temos a retirada do brincar livre e solto para colocar as crianças em confinamento de salas de aula abarrotadas, diminuição de período integral, aumento de crianças por sala e descaso com as práticas pedagógicas específicas desta faixa de idade.
Fora tudo o que foi exposto, há implicações em repasses de recursos para municípios, questões de interesse político e a falta clara de conhecimento de parlamentares que votam uma Lei destas, sem noção e interesse sobre tudo o que isso acarretará na vida das crianças que formam o futuro de sua nação.
Quem ouve as crianças?
Quem ouve as pessoas que atuam com as crianças?
Onde estão as famílias que sofrerão o impacto destas alterações?

Ainda que sancionada a Lei, temos que nos mobilizar e discutir tais implicações, requerer alterações na Lei, se necessário, para garantir um mínimo de condições de sua aplicabilidade.
Eu faço a minha parte, faça a sua. Pelas crianças.
Bons Ventos

Márcia Golz


Segue o Link para ao Diário Oficial com as alterações da LDB sancionada
http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=05/04/2013

Segue o Link para o Fórum Municipal de Educação Infantil
http://femeisp.wordpress.com/

Pela criança! Fórum de educação infantil é assunto de todo mundo


Ontem passei a tarde no Fórum municipal de educação infantil. Um grupo que foi criado para acompanhar, requerer, discutir e reivindicar mudanças boas de verdade, na educação infantil do município de São Paulo e se une aos demais fóruns do país todo.
Se queremos um país melhor, temos que investir em educação pública de qualidade  para as crianças.
A classe média, onde me incluo, criou a "mágica" solução da educação privada, rechaçando o público de vez, gerando o preconceito de que se destina a pobres e pessoas sem cultura e abandonando a possibilidade de lutar por um ensino como hoje tem na Finlândia, exemplo para o mundo todo.
Hoje pagam-se rios  de dinheiro para colocar o filho na rede privada e muitas vezes o que se leva, sem questionar, é a privada da rede mesmo.
Há escolas privadas com belos projetos, de fato, mas são poucas e de acesso muito restrito dado o investimento financeiro cavalar que exigem.
E continuamos a desdenhar o público, a torcer o nariz, a temer a "convivência" e a não investir nosso olhar, nosso pensar, nosso tempo e nosso esforço para que melhore.
Só que um país, se constrói em cima de sua infância, de suas crianças. Ergue-se o futuro de uma nação nos ombros de sua juventude e não nas  barbas dos velhos, que embora contribuam muito com sua experiência estão no hoje, no amanhã da nova geração não estarão.
Temos tudo fixado no adulto. Como se criança não fosse um cidadão que pensa, que sabe, que tem ideias e que precisa de terreno fértil para cultivá-las. Então criam-se escolas de adultos para crianças, sem brincadeiras, sem natureza, sem liberdade e flexibilidade onde não fluem a criatividade e a curiosidade. E achamos bom, afinal ele "passou" no teste de admissão do jardim de infância da escola renomada!!!
Se seus filhos cresceram, se você não os tem, se você tem interesse no mundo de amanhã, esta também é sua questão.
A desumanizada humanidade, esquece que a base de sua existência começa no nascimento e se alimenta de potência, na infância. Depois disso, o que se colhe é o que se plantou.
Não sou eu a dizer, mas os sérios artigos científicos sobre o tema, a pesquisa de pessoas sensíveis e interessadas.
Contaminados de desânimo crônico, de preguiça cósmica ou de desinformação protetora, nos afastamos cada dia mais de criar uma sociedade melhor.
Há pouco mais de uma década, uma criança foi porta voz de outras para dizer isso na ONU. De lá para cá, a mudança foi tão sutil que lamento por ela e pelos seus amigos, somos um bando de adultos egocentrados e não estamos mostrando, como sociedade interesse por nossas crianças.
Aliás, se nem os filhos, muitas vezes são vistos como "nossas crianças", imagina as demais, as filhas e filhos de todos os anônimos espalhados por aí.
Uma sociedade sem respeito a suas bases infantes está doente de futuro, criando ma doença terminal social da qual não escapará sem muito trabalho para limpar o lodo onde entrou.
Nos perguntamos como se fazem este seres da geração dos 30 anos que estão aí nos noticiários matando no trânsito sem sensibilidade, felizes de consumir cocaína em carros luxuosos, dando uma banana para o chefe no trabalho e reclamando de fazer mínimos esforços em troca do salário combinado. Vieram de um não olhar pela educação infantil.
Em lugares onde a educação infantil tem respeito, investimento, qualidade e valor, as pessoas crescem inovadoras, interessadas, empreendedoras, felizes com as suas preocupações e desafios para construir a sociedade. Examine alguma coisa sobre Reggio Emilia, na Itália e você entenderá o que digo.
Fico emocionada de ver a batalha dos educadores por uma legislação decente, por um plano municipal de ensino. Ver as passadas de pernas do governo anterior nas propostas da Sociedade Civil, ignorando a criança em nome de posturas políticas birrentas.
Mas tudo isso muda se a sociedade se engaja na luta, se as pessoas deixam de se acomodar e participam. É uma questão de todos e numa sociedade de 18 milhões de paulistanos, apenas 29 estavam ali, pensando nisso de fato.
Venha conhecer a próxima assembléia dia 6 de junho.
Saiba mais:
http://femeisp.wordpress.com/principal/
http://www.youtube.com/watch?v=4j8mtA_iDss&noredirect=1

Bons Ventos!


Criança livre

Toda vez que observo um grupo de crianças brincando, principalmente se é menor de 5 anos, percebo um movimento lindo de exploração de mundo, de investigação e de êxtase com as novas descobertas. Criança tem uma intensidade muito grande no que faz e vivencia.
Após os 5 ou 6 anos, vejo a conversa que flui, entre ela e ela mesma, entre ela e os brinquedos e entre ela e a outra criança próxima. Uma série de hipóteses para entender a razão e o percurso das coisas vai construindo um diálogo que expõe a ingenuidade, mas principalmente a liberdade criativa para gerar suas ideias e o terreno fértil e efervescente de sua mente, mergulhada nas emoções e sensações do mundo.
Crianças tem belas leituras de mundo. Diferentes dos adultos, menos complexas, menos padronizadas. Leituras repletas de sonhos e de simplicidade. Quando o adulto abre espaço para  ouvir isso, descobre que nestes sonhos e na forma simples que a criança os expressa, mora justamente a ligação com a essência do ser, com a parte ainda não influenciada pelo todo, de uma vida mais energia do que consciência.
Crianças sentem, percebem, intuem o mundo. Constroem e reconstroem suas impressões sob forte influencia do olhar adulto onde se amparam. Quando este olhar tem espaço e tempo para ouvir e compreender a trajetória de suas angústias e desejos, de seus saberes e descobertas, torna-se um facilitador.
Facitando a condição, o vocabulário, a decodificação dos conteúdos físicos, emocionais e mentais que o mundo traz,  o adulto acolhe a criança na integridade. Ouvindo mais e não impondo seu ponto de vista pessoal, permite a ela ser autêntica, sem necessidade de moldá-la, mas orientando opções de caminho para a auto descoberta, o conhecimento de mundo e a relação de ambas as coisas. Isso é criar crianças livres.
Por si mesma, a vida impõe desafios, barreiras e limitações que serão vivenciados de alguma maneira e permitirão a ela refletir, elaborar hipóteses e testá-las e a partir deste tipo de movimento, desenvolver sua consciência integral.
O mundo humano que desenvolvemos ja traz barreiras de comunicação demais, com a infância. Em casa, elas precisam ter a liberdade de ser, de falar, de desnudar-se em um ambiente amoros, acolhedor, saudável e livre.
Bons Ventos!
Marcia

Só pra começar a pensar...

"Uma sociedade melhor! Felicidade!"
Uma resposta comum, quando perguntamos a uma mãe ou pai o que deseja que seu filho encontre no futuro.
Mas nossa sociedade está doente. Eu não preciso ter diploma da área de saúde para fazer este diagnóstico. Eu só preciso perceber o que existe em volta.E tudo começa no instante em que se nasce.
De repente, o aconchego quente e afetuoso do ventre está sendo trocado pelo mundo de forma anti-natural. Ao invés de hormônios do amor, que unem mãe e filho, que promovem vínculo e afeto, vem a ruptura. Troca-se fácil o espaço amoroso, seguro e conhecido dos lares, pelos espaços hospitalares insípidos, repletos de artefatos tecnológicos e absolutamente desafetivos. Ao invés de calma, silêncio e tranquilidade, temos tapas, colírios abrasivos, sondas invasivas e desnecessárias. Tudo em nome de um medo.
O medo do " Ah! Mas o que pode acontecer? Melhor prevenir!".
Temor que leva a providenciar, cada vez mais, medidas invasivas e preventivas de nada, sem base nenhuma em evidências científicas. Achismos que foram sendo perpetuados de forma veloz e não pensante nos últimos 50 anos.
Pois é, aprendi ontem, assistindo ao filme "O Renascimento do Parto ", que as evidências científicas não são a base da nossa medicina. Isso, em parte,  nos torna cobaias das mais fantasiosas ideias dos mais variados tipos de seres humanos, que vestem jaleco branco. Sim, porque não explicam para nós, leigos que "não conseguem compreender o que o médico sabe" o motivo das intervenções e sua eficácia, sua base científica, etc. Somos infantis perante a medicina e tornamos o momento de nascer, um ato não natural.
Tirar a criança da mãe sem a ajuda dos hormônios naturais, expô-la a uma dose cavalar de agressividade em nome de uma psedo segurança sem base científica, é um crime contra a humanidade.
Deixamos de receber amor, contato físico, afeto direto de nossa genitora para ficarmos no frio das salas cirúrgicas ( infelizmente a imensa maioria faz isso, sem necessidade real), expostos a procedimentos desnecessários e agressivos e assim construímos nossa primeira visão de mundo através da violência e não do afeto. Isso também  aprendi vendo o filme.
Bom aí a gente cresce, é retirado de novo da família e uma grande parcela passa grande parte de tempo nas mãos de professores, babás, empregadas e televisores. Claro, hoje também dos computadores, ia esquecendo!
E a nossa construção de ego segue, apartada de atenção, carinho e cuidado.
Sim, há exceções, claro que há. Mas infelizmente são isso mesmo, exceções!
E a vida segue, por escolas cheias de autoritarismo e imposições de formas de pensar, sentir e agir, por duplicidade de respostas emocionais que confundem, por rupturas autoritárias que doem, por palmadas, beliscões, gritos e xingamentos e por abandono afetivo.
Salvo aqueles mesmo, os das exceções!
E vamos lá na juventude, nos consolar nas baladas. Encontramos abrigos no sexo fácil, nas drogas tão deliciosamente calmantes, no álcool que "alegra", na velocidade dos veículos que nos fazem sentir poder e liberdade!
E vamos ao mercado de trabalho. Aprendemos rápido a enrolar o serviço,  a gritar com o subalterno como gritaram conosco na infância, a abusar da relação com o sexo oposto, a fazer piadas sexistas, a levar dinheiro fácil a corromper e a ser corrompidos.
No meio disso reclamamos do governo, dos impostos, da barriga, da celulite,  do trânsito, dos políticos e das passeatas chatas dos ativistas pelo sabe lá o que melhor,  no meio do caminho quando estamos indo na casa da sogra .
E a vida segue assim, bem previsível... salvo para aqueles,  os das exceções!
Eu não gosto de pintar este quadro pessimista proposital que fiz. Não gosto mas preciso fazer isso para buscar dizer que está errado. Que a sociedade melhor que você espera para seu filho não será construída desta forma e que você está se enganando.
Sim, um problema de todo mundo.
Todos nascemos, crescemos convivemos e morreremos. Todos passaremos por isso e temos que nos comprometer com a questão para poder mudar o desfecho.
O empurrar com a barriga não funciona, estamos fazendo isso há dezenas de anos e já provamos que não funciona.
Então, revolucionemos. Revolucione o pensamento sobre a vida e sobre o estabelecido, engaje-se nos movimentos que acredita, estude filosofia, aprenda, entre em grupos de discussão e não de reclamação coletiva, acompanhe os vereadores e deputados em quem votou,cobre posturas, denuncie ações inadequadas, tenha atitude!
Realize algo em prol do todo. Mas lembre-se.. é urgente. Não dá para esperar amanhã, a gente já está se afogando em inadequações sociais de todas ordem no mundo inteiro.

Mas ou acordamos agora, ou amanhã, será tarde demais.

O Silêncio Contra os Inocentes


Hora do Intervalo. Enquanto a gritaria avança pelos corredores, grupos se juntam para partilhar segredos e conversas, alguém timidamente se posiciona num canto reservado da escola. Sem partilhar o que deve ser bom do convívio, sem sorrir com as faces rosadas como deveria ser no fim da infância, quando a adolescência pretende apontar logo ali, além da curva.
Enquanto todo mundo se esbalda de rir no banco ao lado, a vítima de violência na escola, tenta ser mais invisível do que a fazem ser, para sobreviver a mais um dia.
Não numa escola pública, na escola privada como a que o meu e o seu filho frequentam. Na escola onde nós, da classe média, buscamos refugiar nossos medos da educação ruim, que o país faz questão de perpetuar há décadas na escola pública que deveria atender a todos de forma igualitária.
Crueldade é o nome que posso dar às formas de ação destas crianças desenfreadas, que ridicularizam os outros por prazer, sentem-se superiores ostentando marcas de tênis, calças e camisetas. Pessoas sem respeito por nada nem por ninguém, crentes de uma superioridade inexistente, baseadas em poder de consumo, popularidade por poder de agressão e arrogância perante figuras de autoridade.
Bullying é a palavra que se usa a largas frases, identificando o assédio físico, moral e psicológico que acontece nas escolas por aí afora. Uma forma perversa de convívio que está cada dia mais presente nas salas e corredores, como um fantasma que assombra  e se vê livre para agir, pois em muitas escolas, o corpo docente e a direção não fazem nada para exterminá-lo.
O discurso de solidariedade, diversidade e respeito às diferenças está presente no projeto pedagógico mas não no dia a dia de muitas escolas de elite deste país. Tolerância não existe no vocabulário destes espaços onde todo dia é dia de pisar em alguém. Alunos e até professores tem um comportamento violento contra aqueles que não partilham de seus valores.
Um garoto, vítima de bullying por ser diferente, enxuga as lágrimas e me conta “A professora ri junto com eles, quando digo que não conheço uma coisa ou um lugar que todos parecem saber o que é, eu odeio esta escola!” – não sei se choro por ele ou pelos seres humanos tão limitados em consciência, que cruzam seu caminho todo dia.
Um outro lamenta a perda da amizade de uma menina, porque agora ela é popular e não anda com “nerds” como ele.
O americanismo de “ser popular” chega ao Brasil na sua forma mais afiada. Pisar nos outros como se fossem insetos nojentos e ostentar consumo de marcas “carésimas” e famosas é a regra. Quem não se adequa fica no lado oposto e forma o corpo de vítimas.
Que modelo de ensino estamos criando?
Que escola para iguais é esta que se forma atrás de fachadas ostentosas e cheias de câmeras, mas que  não vê a realidade que circula nas suas áreas internas? O gueto se cristaliza e o tal espaço para a diversidade se vê abolido ou restringido aos papéis curriculares e a frases encantadoras no site oficial das instituições.
Está demorando demais para a sociedade se dar conta,  que há um tipo de violência sendo exercido e perpetuado nas escolas tanto públicas quanto privadas . Há a ilusão de uma infância protegida e com acesso livre ao conhecimento e consumo licencioso – e outra desprotegida de tudo, que só recebe o pior. Seguranças uniformizados, intercomunicadores e grades eletrônicas garantem o afastamento destas duas infâncias. E são muitas vezes os pais destes desprotegidos que parte destes superprotegidos cruéis usam para exercitar seu desrespeito, enquanto limpam paredes e carteiras, zelam por banheiros onde eles urinam por todo lado, apenas para humilhá-los.
O lugar onde a rotina deveria ser  a oportunidade de conectar mundos diferentes, trazer o diálogo e a beleza da diversidade, se faz palco de um surto de desigualdades sem fim. Onde deveriam coabitar realidades sócias culturais, socioeconômicas, ideologias e vidas diferentes, o monólogo da história única toma o comando. E onde poderia existir uma conversa na qual o “criativo” se faria o eixo transformador com base nas novas conexões entre tantos mundos, a pobreza de espírito impede qualquer contato. Ninguém cresce.
Crianças e adolescentes ameaçam os professores com petulância em frases como “Meu pai é que paga esta Bos...”. Criados muitas vezes por babás, sem pais presentes, mandam em todo mundo desde a mais tenra idade.  Alguns deles nem conhecem seus pais, assim pra valer. Não jantam juntos, não são acompanhados nas tarefas de casa, não seguem para escola de mãos dadas com eles. Sofrem o abandono assistido pelos cartões de crédito e tendem a descontar sua dor, provocando dor em quem julgam mais frágil do que eles.
Sofrem todos portando. Os que maltratam e os maltratados. Entre humanos, a dor existe, não há como fugir dela. O menino que ataca, esconde sua vulnerabilidade numa máscara de poder cruel. Máscara esta tão bem talhada, que ele acredita ser a verdade de si mesmo. O menino que é atacado, sofre com a impotência, a dificuldade de resistir sendo ele mesmo, como se isso por si estivesse errado.

Eu tenho medo do futuro que se desenha, se não virarmos a mesa e enfrentarmos esta onda de violência que começa em casa, com pais cúmplices ou pior, exemplos de deboche e crueldade. Violência que entra também pela televisão e pela internet, onde programas onde depreciar o outro é valorizado, onde é divertido ser invasivo, grosseiro, estúpido e mau.  É hora de parar de fingir que a maldade habita apenas a periferia das cidades e de nossas vidas.
Bons Ventos!