Vê se eu posso com essa!


Meu filho Gabriel Henrique,do topo dos seus seis anos de vida:
- Mãe, como que você é professora de artes?
- Ué Gab, eu estudei para isso, me formei, aprendi muito e passei a dar aulas de artes.
- Mas não pode!
- Por que não pode, Gab?
- Não pode. Você já é minha mãe. Mãe é mãe e professora é professora.
- Mas Gab, eu sou sua mãe e não sua professora de artes. Sou professora de outras pessoas.
- Não pode.Você tem que escolher, senão você fica uma mãe pela metade e eu gosto de você inteira pra mim!

... Ai meus ciúmes!!!

Qualquer um ensina arte... a lição do monge mostra que não!


Pois esta afirmação aparece muitas vezes em conversas soltas nas minhas andanças pelo mundo. Porque será que associam a arte em suas diversas formas, como expressão unicamente espontânea e desvinculada dos demais saberes do ensino?
Ouvi de novo.
Mas desta vez lembrei de um antigo conto indiano que serve como resposta:

Certo rei estava aprendendo a meditar. Após suas primeiras aulas de meditação, desejou adquirir rapidamente saberes mais avançados. Procurou então o Monge que era seu mestre e solicitou que logo o ensinasse o mantram que os mais adiantados usavam em suas práticas. O experiente monge sorriu com suavidade e respondeu:
Não posso ensinar-lhe, acho que ainda não está preparado.
O rei muito ofendido disse raivoso: Claro que pode, tenho total condição de entoar exatamente como você. Exijo que me ensine agora.
O monge solicitou então ao guarda que vigiava silencioso: Bata nele por mim!
Ao ouvir a solicitação o guarda arregalou os olhos, mas não se mexeu. Concentrou-se em espantar-se e ficar calado olhando o chão.
O monge repetiu: Bata no rei por mim! Nada aconteceu.
Disse então ao rei: Peça a ele que me bata.
O rei prontamente ordenou ao guarda que o fizesse.
O rapaz sem pestanejar, avançou para o monge e deu-lhe um soco que o fez cair no chão.
O monge levantou-se, olhou o rei e saiu do recinto.


A lição do monge ao rei ilustra bem meus sentimentos. Pensar estar preparado é bem diferente de estar.
E aquilo que um está pronto e tem condição de executar não quer dizer que todos podem.
Eu diria que todo mundo consegue navegar pelo mundo da Arte à sua maneira, com sua expressão pessoal e explorando com seus instrumentos.
Mas estar amparado por conhecimento técnico e educativo faz a diferença entre a "fazeção" de coisas e o ensino da arte.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer para que a disciplina saia do espaço de "perfumaria" de muitas escolas e seja respeitada em sua amplitude e importância na formação humana.
Um caminho que vem sendo traçado com conquistas a cada passo por inúmeros profissionais competentes e bem preparados.
Mas esta competência e preparo, também passam pela disponibilidade interna para viver e aprender novos conceitos e paradigmas. Nem sempre os títulos vem acompanhados da sabedoria que lhes é atribuída.

Um experiência curiosa


Certa vez quando eu atuava como professora de educação fundamental numa escola particular de São Paulo, minha assessora educacional na época, Anamélia Bueno Buoro, propôs uma intervenção curiosa aos trabalhos de modelagem de meus alunos de primeiro ano.
Após modelar um bloco de argila, com a imagem baseada em um brinquedo trazido de casa, deveriam derrubá-lo ao chão e deixar que este gesto se imprimisse à sua criação.
Vencida a resistência inicial,munidos de seus receios e seus trabalhos recém modelados, todos postaram-se em fileira e ao final do "um, dois,três!" lançaram seus tesouros criativos ao chão!
Surpresa e incômodo com o resultado.
De repente a perda de controle sobre a criação com o gesto inusitado, descompensou o criador, obrigando-o a adaptar-se à nova situação, reinventando sua própria invenção.
A conversa a seguir começou com relatos de surpresa e incômodo, mas cresceu aos poucos e trouxe conceitos de controle e descontrole, poder sobre o que se cria, e a estética do trabalho como perfeita e imperfeita.
A partir desta curiosa experiência, pudemos pela primeira vez discutir a questão de que "a estética supera o esteta", e a arte se torna capaz de transpor os muros do tempo e tornar-se grandiosa para aqueles que nunca conheceram sequer seus criadores.
E surgiu no primeiro ano, a linha do tempo da arte, as artes figurativas, abstratas, surrealistas, contemporâneas..

Retrato, caricatura e a cara que as coisas tem



Modelar rostos e caricaturas em massinha é um exercício delicioso de imaginar e observar ao mesmo tempo, tomando consciência do corpo e sua forma.
Olho grande, olho pequeno, narizes e bocas aguçam o olhar que se estreita e se espande, apreendendo os detalhes de rostos amigos que a gente nem percebia antes.
Crianças de 6 anos exploram as possibilidades da massa de modelar em imagens divertidas que tiram da mistura do que observam no rosto do companheiro e do que imaginam que podem mudar.
Mãozinhas ainda aprendendo a coordenar-se, descobrem gestos finos e delicados que formam cobrinhas, bolinhas, bolachas, riscos e tantas formas de mostrar sua criação. A liberdade da cor e do gesto remete a arte de Miró e Paul Klee.
A arte do artista e a arte da criança juntam-se numa dança de explorações e descobertas onde o processo de conhecer importa bem mais do que o resultado, que é magnífico, assim mesmo.

A arte como veículo da expressividade infantil



Quando observo uma criança de 2 anos explorando materiais de arte e imprimindo seu gesto nestes, é como olhar de uma janela o universo todo.
Um mundo de expressões faladas ou silenciosas vai ganhando formas e sendo elaborada por gestos e cores, o imaginário cria e recria. Nascem saberes.
Saberes ainda não cognitivos, saberes ainda sensíveis e que guardam em si uma pureza específica, alimentada no íntimo do pequeno produtor.
A ausência da intenção técnica evoca a beleza do gesto simples e autêntico, sem intervenção que não a daquele que se exprime e se revela nas tintas, nas massas, na disposição dos materiais escolhidos por critérios tão pessoais.
Permitir e promover a expressão plástica das crianças de tenra idade, é ampliar suas possibilidades de interaçãoe conhecimento de mundo interno e externo. É dar asas a quem tem sede de voar.