Hora do Intervalo. Enquanto a gritaria avança pelos
corredores, grupos se juntam para partilhar segredos e conversas, alguém
timidamente se posiciona num canto reservado da escola. Sem partilhar o que
deve ser bom do convívio, sem sorrir com as faces rosadas como deveria ser no
fim da infância, quando a adolescência pretende apontar logo ali, além da
curva.
Enquanto todo mundo se esbalda de rir no banco ao
lado, a vítima de violência na escola, tenta ser mais invisível do que a fazem
ser, para sobreviver a mais um dia.
Não numa escola pública, na escola privada como a
que o meu e o seu filho frequentam. Na escola onde nós, da classe média,
buscamos refugiar nossos medos da educação ruim, que o país faz questão de
perpetuar há décadas na escola pública que deveria atender a todos de forma
igualitária.
Crueldade é o nome que posso dar às formas de ação
destas crianças desenfreadas, que ridicularizam os outros por prazer, sentem-se
superiores ostentando marcas de tênis, calças e camisetas. Pessoas sem respeito
por nada nem por ninguém, crentes de uma superioridade inexistente, baseadas em
poder de consumo, popularidade por poder de agressão e arrogância perante
figuras de autoridade.
Bullying é a palavra que se usa a largas frases,
identificando o assédio físico, moral e psicológico que acontece nas escolas
por aí afora. Uma forma perversa de convívio que está cada dia mais presente
nas salas e corredores, como um fantasma que assombra e se vê livre para agir, pois em muitas
escolas, o corpo docente e a direção não fazem nada para exterminá-lo.
O discurso de solidariedade, diversidade e respeito
às diferenças está presente no projeto pedagógico mas não no dia a dia de
muitas escolas de elite deste país. Tolerância não existe no vocabulário destes
espaços onde todo dia é dia de pisar em alguém. Alunos e até professores tem um
comportamento violento contra aqueles que não partilham de seus valores.
Um garoto, vítima de bullying por ser diferente,
enxuga as lágrimas e me conta “A professora ri junto com eles, quando digo que
não conheço uma coisa ou um lugar que todos parecem saber o que é, eu odeio
esta escola!” – não sei se choro por ele ou pelos seres humanos tão limitados
em consciência, que cruzam seu caminho todo dia.
Um outro lamenta a perda da amizade de uma menina,
porque agora ela é popular e não anda com “nerds” como ele.
O americanismo de “ser popular” chega ao Brasil na
sua forma mais afiada. Pisar nos outros como se fossem insetos nojentos e
ostentar consumo de marcas “carésimas” e famosas é a regra. Quem não se adequa
fica no lado oposto e forma o corpo de vítimas.
Que modelo de ensino estamos criando?
Que escola para iguais é esta que se forma atrás de
fachadas ostentosas e cheias de câmeras, mas que não vê a realidade que circula nas suas áreas
internas? O gueto se cristaliza e o tal espaço para a diversidade se vê abolido
ou restringido aos papéis curriculares e a frases encantadoras no site oficial
das instituições.
Está demorando demais para a sociedade se dar
conta, que há um tipo de violência sendo
exercido e perpetuado nas escolas tanto públicas quanto privadas . Há a ilusão
de uma infância protegida e com acesso livre ao conhecimento e consumo licencioso
– e outra desprotegida de tudo, que só recebe o pior. Seguranças uniformizados,
intercomunicadores e grades eletrônicas garantem o afastamento destas duas
infâncias. E são muitas vezes os pais destes desprotegidos que parte destes
superprotegidos cruéis usam para exercitar seu desrespeito, enquanto limpam paredes
e carteiras, zelam por banheiros onde eles urinam por todo lado, apenas para
humilhá-los.
O lugar onde a rotina deveria ser a oportunidade de conectar mundos diferentes,
trazer o diálogo e a beleza da diversidade, se faz palco de um surto de
desigualdades sem fim. Onde deveriam coabitar realidades sócias culturais,
socioeconômicas, ideologias e vidas diferentes, o monólogo da história única
toma o comando. E onde poderia existir uma conversa na qual o “criativo” se faria
o eixo transformador com base nas novas conexões entre tantos mundos, a pobreza
de espírito impede qualquer contato. Ninguém cresce.
Crianças e adolescentes ameaçam os professores com
petulância em frases como “Meu pai é que paga esta Bos...”. Criados muitas
vezes por babás, sem pais presentes, mandam em todo mundo desde a mais tenra
idade. Alguns deles nem conhecem seus
pais, assim pra valer. Não jantam juntos, não são acompanhados nas tarefas de
casa, não seguem para escola de mãos dadas com eles. Sofrem o abandono
assistido pelos cartões de crédito e tendem a descontar sua dor, provocando dor
em quem julgam mais frágil do que eles.
Sofrem todos portando. Os que maltratam e os
maltratados. Entre humanos, a dor existe, não há como fugir dela. O menino que
ataca, esconde sua vulnerabilidade numa máscara de poder cruel. Máscara esta
tão bem talhada, que ele acredita ser a verdade de si mesmo. O menino que é
atacado, sofre com a impotência, a dificuldade de resistir sendo ele mesmo,
como se isso por si estivesse errado.
Eu tenho medo do futuro que se desenha, se não virarmos a mesa e enfrentarmos esta onda de violência que começa em casa, com pais cúmplices ou pior, exemplos de deboche e crueldade. Violência que entra também pela televisão e pela internet, onde programas onde depreciar o outro é valorizado, onde é divertido ser invasivo, grosseiro, estúpido e mau. É hora de parar de fingir que a maldade habita apenas a periferia das cidades e de nossas vidas.
Eu tenho medo do futuro que se desenha, se não virarmos a mesa e enfrentarmos esta onda de violência que começa em casa, com pais cúmplices ou pior, exemplos de deboche e crueldade. Violência que entra também pela televisão e pela internet, onde programas onde depreciar o outro é valorizado, onde é divertido ser invasivo, grosseiro, estúpido e mau. É hora de parar de fingir que a maldade habita apenas a periferia das cidades e de nossas vidas.
Bons Ventos!
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