A ARTE por Pietro Ubaldi


A grande Síntese

Ao focalizar os problemas de minúcia da fase , coloco no ápice deles a arte, como expressão suprema da alma humana.
Nada espelha melhor a idéia dominante de uma época. Por vezes é graça e suavidade, doutras vezes, simplicidade e potência; ainda. profundidade de espírito puro, ou então, ouropel vazio de forma. Exprime sempre o pensamento humano que ascende ou decai, apro¬ximando se mais ou menos da grande ordem divina. O pensamento que ora ousa, ora repousa, ora é jovem, ora cansado, é primeira¬mente retilíneo e cortante como a força; depois, arredondamento de linhas, um escorço em descida, um inútil escorar se do vazio na grandiosidade das formas. Estilo tranqüilo ou audacioso, límpido ou enfarruscado, cansado ou poderoso, representa sempre a face ex¬terior da alma humana, do mistério do infinito que nela se agita. Como tudo o que existe tem um rosto, expressão de alma, uma re¬velação do pensamento divino em que o universo fala incessante¬mente, assim a arte é revelação de espírito. Tanto mais valerá. quanto mais a forma for transparente e simples. Quanto menos se fizer sentir a si mesma, tanto mais a idéia será substancial e pode¬rosa na eternidade, vinculada à lei, impondo se pela forma. Fenô¬meno estreitamente ligado às fases ascensionais ou às involuídas do espírito, a arte apaga se quando o espírito adormece, porque só nele reside sua inspiração. A arte é espírito, e a matéria a mata. O ma¬terialismo a matou, e agora tem de renascer.
Começareis de novo, com meios novos mas, acima de tu¬do, com uma idéia nova. O segredo de uma grande arte consiste em saber realizar o milagre da revelação do mistério das coisas; em sa¬ber exprimi lo à luz dos sentidos, após íntima e profunda comunhão com o mistério que palpita na alma do artista. Este tem de ser um vidente, normal no supernormal, onde tudo é espírito e vossa con¬cepção de vida comum não chega. A nova grande arte deve ser in¬tegral: presume o artista total, o super homem que realizou sua ma¬turação biológica, não o agnóstico, o meramente técnico; mas o es¬pírito completo sob todos os aspectos. É indispensável que o ho-mem tenha englobado em si a visão do universo, e que nela tenha atingido as mais profundas concepções de vida.
O valor apenas da técnica é dos períodos de decadência. A arte, cujo valor tenha passado da substância á forma, é a enfeita¬da e preciosa da decadência. Quem tem algo de substancial para dizer, di lo na forma mais simples. Mas é preciso ter algo a dizer, uma grande visão e grande paixão na alma para que a forma não assuma a primazia. É necessário dominar esse revestimento do pen¬samento, estar prevenido defensivamente contra as hipertrofias do meio que sufoca o fim; impedir que a técnica, serva humilde do conceito, quando este era grande em suas origens e amadurecido até a perfeição, queira agora agigantar se para sufocá lo. A forma emer¬ge na decadência, quando a idéia se cansou, surge então a luta entre a vestimenta e a substância e, se esta cede, a outra cresce, invade e domina. Trata se da substituição dos valores inferiores, quando os mais altos decaem. É a degradação do fenômeno artístico, que tem seus ciclos, que são os ciclos do fenômeno psíquico. Na evolução da arte, há uma espécie de inversão de relações: quanta riqueza de conceitos na pobreza da forma nas origens, e quanta riqueza da forma e pobreza de conceitos na decadência! Uma relação transforma se gradualmente na outra. O ciclo evolutivo da técnica, nascido mais tarde e mais jovem que o ciclo evolutivo da idéia, sobrevive lhe ou o substitui; mas sua maturidade deriva do princípio animador da arte.
A grande arte é simples. Sua grandeza é proporcional a potência do pensamento e à simplicidade da forma. Vossa atual fase artística é de destruição, de libertação da forma. Estais na última fase de descida, em que já aparece a aurora da espiritualidade nova, cujo primeiro ato é o abandono das técnicas superadas. Tende uma alma, e sede simples. As complicações ornamentais exprimem vacuidade, a riqueza de minúcias enfraquece a idéia central. Belo é tudo o que corresponde à própria finalidade; a beleza está na linha que corresponde ao fim pelo caminho do menor esforço. Ela é a expressão da correspondência, do equilíbrio, da harmonia, dos princípios da Lei. A suprema beleza reside no conceito de Deus. O artista tem que sentir e seguir esse conceito nas formas em que se manifesta. O progresso da arte reside em manifestar, com evidência cada vez mais límpida e com maior profundidade, a beleza do pensamento divino da Lei que governa o universo. A ascensão da arte é assim um processo substancial de harmonização, isto é, a expressão, na forma intuitiva do belo, da evolução de todas as coisas que observamos. O belo é universal, e pode haver um belo lógico, como um belo mecânico, uma estética grega de formas, como uma muito mais elevada estética moral e cristã de obras. Em todas as alturas, na lógica dos meios, existe uma arte de acordo com a gradação das finalidades. Quando existe um objetivo a atingir, o estilo nasce por si mesmo na forma mais simples, mais transparente, mais harmoniosa, como o encontra e o exige a lei do menor esforço. Os estilos refletidos, desejados, estudados, estão em todos os campos, em roupas nas quais em vão procurais um corpo. Não é a escola nem a análise que plasmam o artista, mas um tormento de alma, uma agitação de tempestades e de visões.
Entendo por arte a expressão dos princípios que estão na harmonia da lei e são verdadeiros em todos os campos, seja literatura, pintura, escultura, arquitetura ou música. A música atual como tudo o mais, evolui em profundidade. Sua atual evolução representa a passagem de sua dimensão linear de melodia, para sua dimensão volumétrica de sinfonia. A simples sucessão de sons da música melódica, à proporção que ascende à fase superior, em que conquista o espaço e o volume, dilata se em extensão e profundidade de sentimentos, passando da expressão das paixões mais elementares (amor, vingança) às produzidas por uma sensibilidade: mais complexa, aprendendo a descrever todas as harmonias e belezas da criação. A música volumétrica sinfônica deveria inspirar se cada vez mais numa estrutura de perspectiva, em que o desenvolvimento dos vários motivos, mesmo harmonizando se com a concepção única do quadro, permanecesse distanciada nos diversos planos. Daí resultaria, na sinfonia, grande profundidade de perspectiva, em que o motivo ou motivos do primeiro plano se distanciariam dos desenvolvimentos sinfônicos do fundo; profundidade e distanciamento não apenas em sentido sinfônico, mas também conceptual e emotivo. Por que o motivo só pode ser a expressão de uma forma ¬pensamento que nasce, desenvolve-se e morre, dominando ou subordinando se, que se aproxima ou se afasta, toca e influencia as outras, passa, volta, sobrevive na recordação, e apaga se. O motivo é a voz de uma vida que quer revelar se toda e pode fazê lo, porque a música, além da beleza da linha do desenho, além da riqueza dos tons, substitutivo da cor na pintura, possui o dom supremo do movimento, em que se exprime o transformismo da vida.
Em sua evolução, a música, além do movimento no tempo, conquistará cada vez mais profundidade no espaço, nova dimensão em que se expandirão as vozes de tantas vidas, porque tudo é vida e tem voz própria. O futuro consistirá em continuar a emprestar cada vez mais ampla estrutura sinfônica e a estender a novos sentimentos sua potência descritiva; deve purificá los e espiritualizá los, até que a música se torne a voz do infinito, a linguagem da intuição, a revelação das harmonias do universo, do aspecto beleza dos grandes conceitos da Lei. A arte busca a unificação era todos os seus aspectos; fundir se ão as diferentes artes como formas convergentes, no único esforço de exprimir o espírito. Na atmosfera artística dos templos seculares, entre os muros antigos saturados das vibrações místicas dos povos, a música será meio de harmonização de ambiente e de sintonização receptiva na oração: será vibração criadora de bondade. Todas as artes se fundirão numa só música. educadora suprema; u'a música imensa que vos falará da vida de homem e de todas as criaturas. E todas as artes serão uma oração. um anelo do espírito que se eleva para chegar a Deus.
Vossa arte futura será sadia, educadora, descida de Deus para elevar a Deus. Se assim não for, será veneno. A arte que permanece na terra não é verdadeira arte: tem de elevar se ao céu, ser instrumento de ascensão espiritual. Deveis beber nas fontes da verdade e eu vos abri suas portas. A arte tem de iluminar se com a luz do espírito, e eu o fiz reviver entre vós. Dei vos, tanto no campo científico e social, quanto no campo artístico, uma idéia imensa para exprimirdes: a da harmonia de todos os fenômenos, da ascensão de todas as criaturas, de vosso amadurecimento biológico. A arte apodera se da ciência. É verdade que não soubestes dar a esta um conteúdo espiritual, dai lhe contudo, uma fé, e ela se tornará arte. Que mundo grande, novo, inexplorado, que sinfonia de concepções cósmicas para exprimir! O futuro da arte está na expressão do imponderável. Que riqueza de inspiração pode descer sobre a Terra, vinda do alto, por intermédio do artista sensitivo! Que oásis de paz, para refúgio da alma, nessas visões do infinito!
A verdade universal desta síntese pode exprimir se em todas as formas do pensamento: matemática, científica, filosófica, social e artística. Esta obra pode também tornar se uma grande tragédia, em que palpita toda a dor e explode a paixão das ascensões humanas. Que drama maior que o do esforço da superação biológica, da luta do espírito para sua evolução, de suas quedas e de suas libertações, da felicidade e da dor, de um destino que progride através da cadeia dos renascimentos, de uma lei divina que tudo vincula à sua ordem! Esta irmanação de fenômenos, de seres, esta unificação de meios de expressão diante da idéia única, este monismo científico, filosófico, social, basta para dar alma a uma nova arte, como a uma ciência, a uma filosofia, a uma sociologia nova.
Vossos palcos ignoram tragédias tão amplas porque estes conceitos exatos faltavam antes ao mundo. Era vaga a intuição dos grandes problemas, incerta a reconstrução do destino humano. Há sempre uma zona de nebulosidade, em que se aninha a dúvida e o mistério. Está na hora de ultrapassar o ciclo restrito das baixas paixões de fundo animal. O teatro não deve ser palco de involução, explorando as multidões, mas de evolução, educando as. Então, ele não pode ser problema econômico, mas função do Estado. A arte deve superar os loucos futurismos, tomar como fundo o infinito e a eternidade, e como ator o espírito que, numa vida sem limites, se debate entre luz e trevas, e conquista sua libertação. O céu e a terra ressoam com a tempestade imensa que as forças do mal desencadearam. Apresentai o drama apocalíptico sem símbolos, em sua nua potência dinâmica de conflito de forças, em qualquer das artes em que o queirais exprimir, suspenso nas dimensões do tempo, entre a evolução bíblica e o idealismo científico.
Esta a grande arte futura. É mister que nasça o gênio que a sinta e a manifeste; que a sinta acima da realidade sensória e nela a encerre e exprima, ele que, chegado ao ápice dos valores espirituais, combate e conclui o drama da unificação e da libertação.
É necessário que uma alma superior viva o fenômeno e, em seu tormento, liqüide o passado, lançando os espíritos num vórtice de paixões mais altas e dinâmicas. É indispensável um ser que, num martírio de fé, macerando se e queimando se por sua arte, dela faça missão e a ela se dê todo. A arte será então o altar das ascensões humanas, onde o espírito se oferece em holocausto de dor e paixão em sua elevação para Deus; será a oração que une a criatura ao Criador, a síntese de todas as aspirações da alma, de todas as es¬peranças e ideais humanos.

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